Em entrevista à BBC News Brasil, Sônia Guajajara diz que não vai ‘entregar de bandeja’ o comando do Ministério dos Povos Originários.
No espaço de duas semanas, a ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, enfrentou sua primeira crise política como integrante do Governo Federal. E não foi uma crise qualquer.
Primeiro, o Congresso Nacional retirou, com aval do governo, a responsabilidade de sua pasta no processo de demarcação de terras indígenas.
Depois, em um novo movimento, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que instituiu o marco temporal para as demarcações de terras indígenas em 5 de outubro de 1988.
Confira abaixo a entrevista da ministra Sônia Guajajara a BBC News Brasil.
BBC News Brasil –
Nas últimas semanas, ministros do governo e, ao que tudo indica, o próprio presidente, deram aval para desidratação da pasta do Ministério dos Povos Indígenas. A senhora se sentiu de alguma forma traída pelo presidente?
Sônia Guajajara
– Não pelo presidente Lula. Mas o Congresso Nacional articulou muito para retirar essa atribuição do Ministério dos Povos Indígenas, que é a etapa da portaria declaratória. Quem vota é o Congresso. Quem aprovou essa medida provisória foi o Congresso Nacional. E a gente viu como eles (parlamentares) se comportaram, inclusive em relação ao Projeto de Lei 490 (que estabelece marco temporal para demarcações de terras indígenas) e até a retirada de outras pautas de outros ministérios. Foi uma pressão real, uma articulação forte dos parlamentares na Câmara dos Deputados.
BBC News Brasil –
Mas a senhora acha que o governo fez o suficiente para evitar que isso acontecesse?
Sônia Guajajara – O governo interveio, sim. Tentaram articular, mas o relator, o (Isnaldo) Bulhões (MDB-AL), já chegou irredutível dizendo que o Congresso Nacional não apoiaria e que ele não teria força de conseguir a manutenção dessa pasta aqui no Ministério dos Povos Indígenas.
BBC News Brasil –
Quando o relatório foi aprovado, os ministros da articulação política disseram que tentariam reverter. Depois disso, eles disseram que iriam apoiar aquele relatório, dando aval à desidratação da sua pasta. A senhora disse recentemente que se sentiu frustrada com isso. Qual o seu sentimento hoje?
Sônia Guajajara –
É claro que eu não posso dizer que fiquei totalmente satisfeita, porque o ato declaratório (para demarcação de terras indígenas) é uma das principais pautas do Ministério dos Povos Indígenas e, inclusive, uma das principais razões para ele ter sido criado. Porém, essa atribuição já era do Ministério da Justiça e tendo o Flávio Dino como ministro da Justiça, ele assumiu toda a responsabilidade de não paralisar os processos que estão em andamento. Então, nós sentimos aqui essa confiança no ministro Flávio Dino de que nossas pautas irão continuar avançando e também com o compromisso do presidente Lula.
BBC News Brasil –
O que aconteceu nas últimas duas semanas teve, obviamente, repercussão internacional. Especialmente porque, durante a posse, o presidente Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto na companhia do cacique Raoni, que é uma figura internacionalmente conhecida. Diante de tudo que aconteceu, surge a questão: o presidente Lula subir a rampa com Raoni dando a entender que daria apoio total à causa indígena foi apenas um jogo de cena?
Sônia Guajajara
– Não creio que foi um jogo de cena. O presidente Lula está muito comprometido com a questão indígena. Já tem dado muitos sinais importantes. Nós assinamos seis homologações (de terras indígenas). Durante dez anos, foram apenas 11 terras homologadas e, em quatro meses, nós conseguimos a assinatura de seis […] Isso não esvaziou o ministério. Tirou uma das partes que para nós era uma das principais demandas, mas ações para a gente fazer aqui não faltam.
BBC News Brasil –
A senhora disse numa entrevista que a retirada da demarcação de terras da sua pasta removia o coração do seu ministério. Seu ministério corre o risco de se tornar um ministério decorativo sem essas atribuições?
Sônia Guajajara
– Não, de jeito nenhum. Tiraram o ato declaratório. Mas nós estamos também nesse diálogo para que o ministério tenha a participação nesse processo, que é o processo demarcatório. E temos a garantia tanto do presidente Lula quanto do ministro Flávio Dino, de que o ministério vai participar, sim, desse processo.